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O poder invisível das palavras sobre o cérebro

03/11/2025 04:30 O Globo — Rio

"Estou na correria.”
“Perdi o foco.”
“Preciso perder peso.”
Três frases corriqueiras, ditas sem pensar. Mas o cérebro pensa por nós e reage. Cada palavra pronunciada, cada expressão escolhida, aciona circuitos neurológicos capazes de alterar o humor, o comportamento e até a fisiologia. A neurociência moderna mostra que a linguagem não é apenas um meio de comunicação: é também um gatilho biológico. Palavras moldam o corpo, as emoções e a forma como percebemos o mundo.
Pesquisas em neurocognição mostram que o modo como falamos ativa diferentes circuitos cerebrais: palavras negativas, como “problema” ou “não consigo”, estimulam a amígdala e aumentam a liberação de cortisol e adrenalina, associadas ao estresse, enquanto palavras positivas, como “superar” e “melhorar”, engajam áreas ligadas à motivação e ao prazer, como o córtex pré-frontal. Esses efeitos são mensuráveis: um estudo da Universidade de Stanford mostrou que pessoas expostas a linguagem otimista tiveram redução de 30% na frequência cardíaca sob pressão.
Mas o que acontece quando usamos o vocabulário errado?
Expressões como “estou na correria” ou “não tô dando conta” podem parecer inofensivas, mas funcionam como microdescargas emocionais. Ao repeti-las, reforçamos uma narrativa interna de cansaço e descontrole. O cérebro, incapaz de distinguir entre linguagem simbólica e realidade, interpreta as palavras como fatos. Em termos neurobiológicos, o corpo se ajusta à história que contamos.
Por outro lado, substituir “tô na correria” por “o dia está cheio, mas produtivo” muda o enquadramento mental. A primeira frase sinaliza ameaça; a segunda, desafio. Essa diferença ativa redes cerebrais distintas: no primeiro caso, prevalece o circuito da fuga; no segundo, o da motivação. O conteúdo é idêntico, o impacto, radicalmente oposto.
No campo da saúde, as palavras ganham ainda mais peso. Termos como “perder peso”, embora bem-intencionados, carregam conotações de fracasso e punição. Pesquisas em psicologia comportamental mostram que pessoas expostas a mensagens centradas em perda, como “perder gordura” ou “eliminar o que sobra”, têm menor adesão a mudanças de estilo de vida e maior propensão a recaídas. Já as mensagens focadas em ganho, como “fortalecer o corpo”, “adquirir energia” ou “melhorar hábitos”, aumentam a autoeficácia e reduzem o estigma. Falar em “ganhar saúde” é cientificamente mais eficaz do que falar em “perder peso”.
No cotidiano, aplicar esse conhecimento é simples, embora exija atenção. Em vez de dizer “preciso resolver um problema”, experimente “tenho um desafio para resolver”. Troque “tô exausto” por “tô precisando recarregar”. Responda “tudo bem, o dia está puxado, mas produtivo” no lugar de “tô na correria”. São ajustes sutis que modulam a percepção de controle, reduzem a ansiedade e tornam o diálogo mais leve.
A escolha das palavras também impacta quem nos ouve. Profissionais de saúde que adotam linguagem positiva e assertiva aumentam a adesão ao tratamento e o otimismo dos pacientes. Um estudo da Health Psychology mostrou que, em contextos clínicos, mensagens com foco em ganhos (“se você continuar com essa rotina, seu coração ficará mais forte”) são mais eficazes do que mensagens punitivas (“se não fizer isso, pode ter um infarto”). A biologia do cuidado começa pelo discurso.
Em última análise, falar é um ato químico. Toda palavra tem uma assinatura neurofisiológica. As negativas estreitam o campo atencional, predispõem à vigilância e reduzem a criatividade. As positivas ampliam o foco, facilitam a empatia e melhoram a memória de trabalho. O cérebro literalmente pensa melhor quando o vocabulário é gentil.
No fim, talvez o segredo do bem-estar não esteja apenas em meditar, dormir bem ou fazer exercícios, mas também em aprender a escolher as palavras certas. Elas são pequenas doses de neurotransmissores verbais, capazes de curar, ferir ou transformar.
Então, da próxima vez que alguém perguntar se está tudo bem, evite responder que está na correria. Diga que está em movimento, vivendo dias intensos ou, simplesmente, indo bem.
O cérebro agradece, e o corpo também.

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