‘Silêncio punitivo’: Saiba como esse comportamento é praticado por parceiros, amigos e familiares
Dois meses de silêncio foram a resposta — e também a causa — do fim do namoro de sete anos da consultora de comunicação paulista Cintia Araium, de 52. Em março, durante uma crise de ansiedade na casa do então parceiro, no Rio, saiu sem rumo pela noite, para espairecer e caminhar na praia. Do parceiro, não recebeu sequer uma mensagem. “Fiquei horas fora. Quando voltei, ele estava dormindo. Nem se importou comigo”, relembra. O relacionamento, embora com altos e baixos, diz Cintia, parecia bem até aquele dia. Ao voltar, despejou tudo o que a incomodava e pediu um tempo. As únicas palavras do ex, que afirmou estar cansado para uma “DR”, rechaçaram uma conversa mais profunda. Desde então, nunca mais se falaram. “Tentei contato várias vezes, e ele sempre dava uma desculpa, até não me responder mais. Não sabia se o relacionamento ainda existia e precisei encerrar a história por mim mesma”, lamenta. Da experiência traumática, Cintia tirou uma lição valiosa: “Não falar é adoecedor. O silêncio é um recurso violento”.
Ignorar alguém em situações de conflito, recusando a comunicação como forma de manipulação, frustração ou desaprovação das atitudes do outro, se enquadra no que especialistas chamam de “silêncio punitivo”. Além das relações amorosas, como no caso de Cintia, a prática também pode surgir entre familiares e amigos. “É uma tentativa, mesmo que inconsciente, de evitar a dor. Quando estamos diante de um embate, principalmente com quem amamos, as emoções vêm com tanta força que pode faltar estrutura emocional”, explica a psicóloga Pamela Magalhães, de São Paulo. O silêncio, continua ela, surge como uma espécie de refúgio e contenção do que não sabemos expressar. “Há quem se cale com receio de piorar a situação; por medo de perder o outro ou porque aprendeu que expressar os sentimentos pode ser perigoso”, ressalta.
Segundo Pamela, nas famílias em que o amor era condicionado ao bom comportamento, e o diálogo foi reprimido, o silêncio se torna uma forma de segurança afetiva. Mas, ao mesmo tempo em que protege, cria uma distância nada segura. “Ele bloqueia pontes e vínculos e aumenta a solidão dentro das relações, dando asas a interpretações equivocadas”, garante a psicóloga.
Ao decidir interromper o curso de Arquitetura e migrar para o de Relações Públicas, nove anos atrás, a paulista Giovana Macario, de 29, experimentou na pele, e na falta de comunicação, a desaprovação do pai. “Foi algo que o frustrou muito, porque ele admirava a profissão de arquiteto. Ficamos quase um mês em silêncio um com o outro. Meu pai sempre foi meio frio, nunca soube conversar”, afirma. Embora outras situações pontuais já tenham acontecido no passado, Giovana garante que a relação de ambos amadureceu. “Tirei meus pais da posição de heróis e hoje os vejo como humanos. Faço terapia e consegui ter ferramentas para reagir a essa e outras situações.”
Para Claudio Paixão, doutor em Psicologia Social pela USP e professor da UFMG, o importante é entender qual a intenção do silêncio em cada caso. “É evitar o outro, ou puni-lo? Porque, na segunda opção, o risco de que vire uma relação abusiva é muito grande. Mas ambas corroem e ferem os vínculos”, acredita ele. Por isso, é importante fazer com que o “silenciador” busque ajuda. “É o típico caso que pode ser resolvido com processo terapêutico. Se você está sendo o alvo, observe qual a frequência e intenção do comportamento. É um sinal de alerta. Tentar abrir um diálogo, sugerindo um tempo para pensar, também é uma opção”, finaliza Claudio.
Porque o calado nem sempre consente.
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