Pesquisadores mapeiam o calor extremo no interior da Califórnia para proteger trabalhadores rurais
Raul Cruz corta cana em Niland, no sul da Califórnia, em dia de calor intenso.
Jae C. Hong / AP
No auge do verão, ainda está escuro quando Raul Cruz chega ao canavial no Vale Imperial, no sul da Califórnia.
Ele corta, limpa e amarra a cana antes que o sol suba de vez. O trabalho é pesado — e começar às 4h da manhã também é —, mas ele sabe que é o único jeito de escapar das temperaturas sufocantes que, ali, facilmente passam dos 40 °C.
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“Temos que fazer isso pra vencer o calor”, diz Cruz, que trabalha há 15 anos na região.
Ele e os colegas encerram o expediente entre 9h e 10h da manhã para evitar risco de insolação.
“Mas quando o calor começa a apertar por volta das 8h, é estressante até mentalmente”, conta.
O clima quente que faz do Vale Imperial uma potência agrícola também torna a vida dos trabalhadores rurais cada vez mais perigosa.
Manuel Gallegos trabalha em um canavial em Niland, no sul da Califórnia, sob forte calor.
Jae C. Hong / AP
O aumento das temperaturas, impulsionado pelas emissões de gases de efeito estufa, tem ampliado os riscos.
Pesquisadores da Universidade Estadual de San Diego (SDSU) estudam os efeitos do estresse térmico na saúde dos trabalhadores e buscam entender onde o calor é mais extremo nessa paisagem rural.
O objetivo é identificar lacunas de pesquisa e propor medidas de proteção diante da crise climática.
“Esses trabalhadores podem estar morrendo ou sofrendo sérios problemas de saúde”, alerta o pesquisador Nicolás López-Gálvez, da Escola de Saúde Pública da SDSU. “É melhor agir logo.”
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Mapeando o calor rural e seus impactos
Desde o início do século 20, as temperaturas médias na Califórnia subiram cerca de 1,7 °C, segundo dados estaduais e federais.
O aquecimento vem se acelerando: sete dos oito anos até 2024 foram os mais quentes já registrados. E o sul do estado, onde fica o Vale Imperial, está esquentando quase duas vezes mais rápido que o norte.
Ana Solorio, ex-trabalhadora rural e hoje integrante da organização Líderes Campesinas, lembra o sufoco que passava nos verões do Vale de Coachella.
“Com a umidade, parecia que a gente não conseguia respirar”, diz ela, que vive há mais de 30 anos no Vale Imperial. O calor era tão intenso que decidiu não voltar a trabalhar nas colheitas de verão — preferiu os meses mais amenos de inverno, dedicados à colheita de alface.
“Esse calor pode causar muitos danos à saúde”, reforça.
Nos últimos dois anos, os cientistas coletaram dados de cerca de 300 trabalhadores ao longo de todas as estações. Sensores presos ao corpo registram temperatura corporal e batimentos cardíacos durante o expediente.
A pesquisadora Briana Toji instala um sensor de calor no trabalhador rural Hipolito Hernandez, em um canavial em Niland, na Califórnia.
Jae C. Hong / AP
Nos campos, monitores ambientais medem temperatura, umidade, vento, radiação solar e nebulosidade — o chamado índice de bulbo úmido e globo, considerado o indicador mais confiável de estresse térmico.
Com imagens de satélite e dados históricos, os pesquisadores estão mapeando os pontos de calor extremo, especialmente nos vales Imperial e Coachella.
Eles descobriram que quem trabalha em culturas rasteiras, como hortaliças, está mais exposto ao calor do que quem colhe em árvores. No verão, quem prepara o solo ou cuida da irrigação também enfrenta as piores condições.
A intensidade do calor varia conforme fatores como presença de árvores, proximidade de rios ou lagos e áreas descobertas — que acumulam mais calor. “Isso cria verdadeiras ‘ilhas de calor rural’, onde as pessoas vivem ou trabalham sob temperaturas muito mais altas”, explica López-Gálvez.
Calor extremo nas regiões agrícolas
Cercado pelo rio Colorado, pelo mar de Salton e pela fronteira com o México, o Vale Imperial abriga centenas de milhares de hectares de fazendas e gera bilhões de dólares em produção agrícola.
A região fornece dois terços dos vegetais consumidos no inverno nos Estados Unidos e emprega milhares de pessoas. Entre 2023 e 2024, cerca de 17,5 mil trabalhadores sazonais e migrantes atuaram no condado, segundo dados oficiais.
Mas o calor é extremo: são mais de 120 dias por ano com temperaturas acima de 35 °C, chegando a 43 °C ou mais em agosto e setembro, de acordo com o pesquisador Sagar Parajuli, do Departamento de Geografia da SDSU.
O condado tem uma das maiores populações latinas do estado — e também o maior número de casos de doenças relacionadas ao calor entre trabalhadores.
Com um sensor de calor preso ao braço, o trabalhador Cristino Romero amarra feixes de cana em Niland, no sul da Califórnia.
Jae C. Hong / AP
O que a pesquisa quer mudar
Parte dos resultados já foi publicada. Um dos estudos mostrou que irrigar
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