Mural da Cidade
Tudo que você precisa saber sobre as cidades do Brasil em um só lugar

Profissionais de saúde trans transformam o cuidado em representatividade: 'Vamos ocupar todos os espaços'

28/10/2025 05:03 G1 — Brasil

Enfermeiro Felipe Oliveira trabalha na saúde com pessoas trans
Faz a diferença conseguir se sentir representado em algum lugar ou em alguma pessoa. É assim com criança que sonha com o que vai ser no futuro ao ver um cantor no palco, um ator na televisão ou um jogador em campo. Portanto, a representatividade de pessoas trans que ocupam cargos como profissionais de saúde tem impacto direto para quem está de ambos os lados dos acolhimentos, das consultas e dos prontuários.
🏳️‍⚧️ Esta é a terceira reportagem da série “Saúde Transformada” publicada no g1, que mostra as diversas questões que envolvem as pessoas trans e o acesso à saúde.
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp
O enfermeiro Felipe Oliveira, que trabalha na saúde há sete anos, já foi funcionário do Ambulatório Sertrans, em Fortaleza, e revelou o impacto na percepção de pacientes transgênero quando descobriam que ele também é um homem trans.
LEIA TAMBÉM:
Mastectomia, feminização da voz e mais: como o direito por procedimentos na saúde impacta a vida de pessoas trans
Gravidez de homens trans altera modo como a Saúde deve cuidar de pessoas gestantes
“Então, quando eu atendia as pessoas trans, principalmente os homens trans, eles ficavam muito mais à vontade pra conversar sobre as suas questões; às vezes questões mais íntimas, possíveis, que não iriam divulgar ou não iriam se sentir tão à vontade como uma pessoa cis. Querendo ou não, tem coisas que são bem particulares de uma pessoa trans”, explicou o enfermeiro.
A gente não quer inclusão, a gente quer igualdade. A gente já existe, só precisa que as pessoas respeitem isso. Vamos ocupar todos os espaços que nos são de direito, assim como qualquer outra pessoa, qualquer outro cidadão cis.
A área da saúde não foge da escassez de profissionais trans em empregos formais. Em 2024, uma pesquisa do Datafolha — feita em 300 empresas do Brasil, com 1,5 milhão de funcionários — revelou que apenas 4,5% desse público era composto de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Pessoas Transgêneros (LGBTS). Os dados se agravam quando o recorte afunilava para pessoas trans: apenas 0,38%.
Nesse contexto, Felipe enxerga como uma vitória pessoal — e para toda a comunidade trans — a oportunidade de ocupar um cargo como profissional de saúde. “Se a gente não tem pessoas trans nesses equipamentos, nesses serviços, fica mais difícil ainda que uma pessoa trans usuária consiga ter esse direito dela realmente respeitado”, declarou.
“Estar nesse espaço é como se eu tivesse conseguido alcançar na minha mente o que, um dia, eu pensei que fosse inalcançável, algo que eu não viveria nunca. E poder contribuir para que as outras pessoas possam ser quem elas são, de uma forma plena e com dignidade”, avaliou o enfermeiro, que disse nunca ter sido atendido por nenhum profissional trans.
“Eu acho que a minha maior realização como profissional até hoje, e como pessoa trans, foi poder atender outras pessoas trans no espaço do Sertrans”, revelou o enfermeiro.
Felipe Oliveira, além de enfermeiro, também é professor em um curso de técnico de enfermagem.
Ismael Soares/SVM
O mérito, no entanto, não mascara as situações de preconceito e desrespeito que Felipe precisa combater diariamente. Consciente da própria “passabilidade” (entenda o conceito abaixo), Felipe explicou que busca conscientizar sempre que depara com violências, ainda que ele não seja a vítima.
“Tento, de alguma forma, educar as pessoas. Falar que aquilo é um comentário transfóbico, que é um comentário errado, que é um comentário criminoso, muitas vezes, e que não deve ser colocado ali, principalmente no meio de trabalho”, explicou Felipe, que também é professor em um curso técnico de enfermagem.
“Se não tem alguém ali para brigar pela gente, junto com a gente, às vezes a gente fica meio à mercê da ignorância, muitas vezes, do despreparo dos outros profissionais”, comentou.
Felipe, inclusive, lembrou de uma ocasião em que foi violentado em um ambiente que deveria ser de acolhimento e empatia.
“Eu já fui a uma profissional psicóloga que olhou pra mim e disse: ‘Eu não sei como lidar com você, com essa questão, eu nunca ouvi falar e eu não sei como eu posso te ajudar’. Então, eu nunca mais voltei para ela”, lamentou.
‘Eu posso ser assim’
A psicóloga Andie de Castro fala sobre falta de profissionais trans
Em busca de atendimentos mais representativos, a psicóloga Andie de Castro atua há cinco anos — ela, inclusive, também já trabalhou no Ambulatório Sertrans. “A quantidade de profissionais trans é muito baixa. É necessário que [o aumento] aconteça, principalmente. Quando a gente está falando do campo da saúde, porque a gente precisa de uma saúde que seja acolhedora”, avaliou.
“A falta dessa representatividade causa um sofrimento na gente anterior. Desde quando a gente é criança, porque não existe essa ideia de você saber que é trans logo de início. Porque, na verdade, no início de tudo, só há um desconforto e uma sensação de que você é diferente, e de que há algo ‘errado’ com você

Fonte original: abrir